REFORMA PROTESTANTE: A LEMBRANÇA DA HERANÇA
O ciclo natural de permanência numa igreja dita “evangélica” hoje não dura mais de sete anos. Abertas por atacado em cada esquina, essas igrejas não fazem questão de identificação histórica com qualquer herança cristã. Estamos vivendo uma geração cada vez mais entorpecida de novidades, que não quer aprender com a memória de fé dos antigos. Receio perguntar a alguém que se identifica como evangélico quem é Martinho Lutero! Ou ainda “o que é ser “protestante”! Mas o pior é constatar que a raiz do catolicismo medieval ressurgiu de forma disseminada nas igrejas independentes que se multiplicam a cada semana.
Em 31 de outubro de 1517, o monge agostiniano Martinho Lutero publicou na porta da Igreja do Castelo de Wittemberg, na Alemanha, 95 teses contrárias às doutrinas católicas das indulgências e da infalibilidade do Papa. Essa data é adotada pelo mundo protestante como o marco da renovação espiritual da Igreja na Idade Média, o início do que hoje se convencionou chamar de “igreja evangélica ou protestante”. Esse evento histórico está associado à descoberta pessoal da doutrina da justificação pela fé, quando Lutero estudava a Carta aos Romanos: “Mas o justo viverá da fé” (ROMANOS 1:17b), o que levou o Reformador a ensinar o Sacerdócio Universal, ou seja, “cada homem é padre de si mesmo”.
A importância de Martinho Lutero para o Cristianismo está na ruptura com o sistema romano. Sua busca pessoal representou o anseio de cristãos sinceros que lutavam por um retorno à pureza do Evangelho e à consequente purificação da Igreja que, segundo ele, deveria ser reformada (ecclesia reformata et semper reformanda est). Ele se posicionou contra o legalismo e o misticismo de uma igreja que propunha o relacionamento com um Deus punitivo, baseado na culpa. Algumas práticas religiosas revelavam essa atitude: confissão a sacerdotes, ritos sacramentais, peregrinações, repetição de orações, doações de dinheiro, compra de indulgências, autotortura.
Os sacramentos eram uma espécie de “graça mágica” transmitida através da obediência a leis eclesiásticas. Os dois principais eram a missa, celebrado coletivamente com elementos objetivos como a hóstia, e a penitência, de caráter individual e subjetivo. A salvação dependia das indulgências, a absolvição de pecados confessados do sacramento da penitência. O poder para perdoar esses pecados estaria fundamentado no direito divino reivindicado pela Igreja. Ensinava-se que os sacerdotes podiam lançar mão do “tesouro de da igreja”, um poder espiritual acumulado pelos méritos excedentes de Cristo e dos santos para concederam perdão.
Diante deste esquema de poder religioso onde a piedade estava fundamentada na magia e no legalismo, Lutero deu o grito mais alto daquele momento de mudanças. Rebelou-se contra essas distorções e abusos. Enfrentou o comércio de indulgências sob a ameaça de excomunhão e até mesmo da vida. Para ele, a relação do homem para com Deus era pessoal, sem qualquer mediação, estabelecida pela aceitação da mensagem da salvação. E o arrependimento deveria ser uma atitude contínua: “Nosso Senhor e Mestre, Jesus Cristo, ao dizer ‘arrependei-vos’, desejou que a vida inteira dos fiéis fosse penitência” (TESE 01). A igreja deveria voltar ao ensino apostólico: “Porque pela graça sois salvos, por meio da fé, e isto não vem de vós, é dom de Deus; não vem das obras, para que ninguém se glorie” (EFÉSIOS 2:8-9).
Lembrar da herança reformada não apenas em datas como o 31 de outubro, mas no cotidiano da igreja local, é uma maneira de manter viva a chama do Evangelho que purifica o cristianismo de toda contaminação herética. O ressurgimento da religião medieval em igrejas independentes, centradas em seus próprios líderes e nos meios mais abusivos de conseguir adesão e dinheiro, deve levar os verdadeiros cristãos a pelejarem pela “fé que de uma vez para sempre foi entregue aos santos” (JUDAS 1:3).
Pr. Petrônio Almeida Borges Júnior