A igreja enfrenta severos desafios para a prática do cuidado mútuo. Nosso mundo é orientado por uma cultura individualista, que enfatiza a comparação e a competição, escravizando as pessoas no próprio egoísmo. Trocamos o “nosso” pelo “meu”, ficamos vidrados na grama do vizinho, perdemos o senso de responsabilidade pelo outro. Nesse ambiente selvagem para os relacionamentos, sentimos falta do amor gratuito, da generosidade, do esforço solidário para o bem comum.
Diante deste quadro sombrio, devemos manter a esperança no poder do Senhor e continuar pregando a necessidade de conversão. A conversão é um ato transformador operado pelo Espírito Santo, que desencadeia um processo de crescimento espiritual, moral e social. Paulo ensinou que Deus “efetua em vós tanto o querer quanto o realizar” (Filipenses 2:13). Após esta mudança radical no profundo do ser, o nosso “querer” é alinhado à vontade de Deus e podemos cumprir a sua ordem: “desenvolvei a vossa salvação com temor e tremor” (Filipenses 2:12b).
A partir da mudança da mente e do coração, partilhar a vida com os irmãos torna-se possível, pela ação sobrenatural do Espírito. Uma fotografia deste milagre na história da igreja foi registrada literariamente por Lucas em Atos 2:44-45. No capítulo 4:32 a poesia é bela e encorajadora: “Da multidão dos que creram, uma era a mente e um o coração. Ninguém considerava unicamente sua coisa alguma que possuísse, mas compartilhavam tudo o que tinham” (NTLH). O compromisso radical com Cristo possibilitou a vivência da comunhão, da vida em comum. Neste novo ambiente relacional, o serviço e a missão são consequências naturais. As carências espirituais, materiais e afetivas são alvo da atenção de todos, que buscam supri-las à medida que Deus concede mais graça a cada dia.
Adoração a Deus e cuidado com o próximo são evidências da presença e atuação do Espírito Santo na vida da igreja. Como amar é suprir necessidades através da doação de si, precisamos avaliar a prática do amor na igreja a partir do nível de assistência pessoal. O cuidado mútuo não é apenas uma bênção a ser desfrutada, mas uma responsabilidade a ser assumida por todos.
No seu clássico “O pequeno príncipe”, Antoine Sant-Exúpery define esta responsabilidade como “cativar”. A raposa diz ao menino: “Tu não és para mim senão inteiramente igual a cem mil outros garotos. Eu não tenho necessidade de ti. E tu não tens necessidade de mim. Não passo a teus olhos, de uma raposa igual a cem mil outras raposas. Mas se tu me cativas, nós teremos necessidade um do outro. Serás para mim único no mundo. Eu serei para ti, única no mundo”.
Fomos cativados pelo amor de Cristo, medido pelo sacrifício da cruz. O Espírito Santo transformou nosso coração egoísta e irresponsável com o outro. Agora também podemos cativar e cuidar. Temos um novo coração capaz de “olhar com simpatia” para o irmão, como cantamos no Hino 381 do Cantor Cristão. A vida cristã é uma vida de responsabilidade com o outro, de simpatia por aqueles que estão fracos e sobrecarregados, de inclusão daqueles que clamam em suas carências, de aceitação mediante a graça.
Neste mundo hostil ao evangelho e carente de salvação, a igreja deve testemunhar cultivando um ambiente de comunhão, com espontaneidade e despojamento, com transparência, sem hipocrisia. Devemos reduzir as distâncias e construir pontes através da intercessão, do serviço e da busca constante por desenvolver a salvação recebida.
Pr. Petrônio Borges Jr.